segunda-feira, 31 de maio de 2010

Mês de África na FLUL - L. C. Patraquim

Metamorfose

a Mãe não era ainda mulher
e depois ficou Mãe
e a mulher é que é a vagem e a terra
então percebi a cor
e metáfora
mas agora morto Adamastor
tu viste-lhe o escorbuto e cantaste a madrugada
das mambas cuspideiras nos trilhos do mato
falemos dos casacos e do medo
tamborilando o som e a fala sobre as planícies verdes
e as espigas de bronze
as rótulas já não tremulam não e a sete de Marco
chama-se Junho desde um dia de há muito com meia dúzia
de satanhocos moçambicanos todos poetas gizando
a natureza e o chão no parnaso das balas
falemos da madrugada e ao entardecer
porque a monção chegou
e o último insone povoa a noite de pensamentos grávidos
num silêncio de rãs a tisana do desejo
enquanto os tocadores de viola
com que latas de rícino e amendoim
percutem outros tendões da memória
e concreta
a música é o brinquedo
a roda
e o sonho
das crianças que olham os casacos e riem
na despudorada inocência deste clarão matinal
que tu
clandestinamente plantaste
AOS GRITOS

Luís Carlos Patraquim
Moçambique

Lançamento do Livro: Polifonias Insulares - Cultura e Literatura de São Tomé e Príncipe

Polifonias Insulares – Cultura e Literatura de São Tomé e Príncipe, de Inocência Mata.

Lançamento no dia 7 de Junho, pelas 18h00, no Bar da Biblioteca da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

Apresentação de Prof.ª Doutora Isabel Castro Henriques

Sinopse: Inocência Mata tem promovido e lançado, nas suas viagens literárias, expectativas, dúvidas e ironia céptica, ao mesmo tempo que dá a conhecer, numa perspectiva crítica e analítica e não redutora, e anormalmente disciplinar ou especializada, os contornos e enquadramento das obras de autores como Manuela Margarido, Aíto Bonfim, Conceição Lima e Sacramento Neto e outros que, não sendo são-tomenses, escolheram as ilhas como seu lugar de gestação literária mantendo, assim, um diálogo com a cultura e a sociedade são-tomenses: Otilina Silva, Pedro Rosa Mendes, Paulo Ramalho. José Cassandra (Do “Posfácio”)

http://www.facebook.com/home.php?#!/event.php?eid=117442298297102&ref=mf

Homenagem a Gonçalo Castello-Branco

Um sarau de Piano e Poesia em homenagem a José Gonçalo Castello-Branco terá lugar na Biblioteca amanhã, dia 1 de Junho, pelas 18 horas.

domingo, 30 de maio de 2010

Mês de África na FLUL - Agostinho Neto

Criar

Criar criar
criar no espírito criar no músculo criar no nervo
criar no homem criar na massa
criar
criar com os olhos secos

Criar criar
sobre a profanação da floresta
sobre a fortaleza impudica do chicote
criar sobre o perfume dos troncos serrados
criar
criar com os olhos secos

Criar criar
gargalhadas sobre o escárnio da palmatória
coragem nas pontas das botas do roceiro
força no esfrangalhado das portas violentadas
firmeza no vermelho-sangue da insegurança
criar
criar com os olhos secos

Criar criar
estrelas sobre o camartelo guerreiro
paz sobre o choro das crianças
paz sobre o suor sobre a lágrima do contrato
paz sobre o ódio
criar
criar paz com os olhos secos.
Criar criar
criar liberdade nas estradas escravas
algemas de amor nos caminhos paganizados do amor

sons festivos sobre o balanceio dos corpos em forcas
[simuladas

criar
criar amor com os olhos secos.

Agostinho Neto
Angola

sábado, 29 de maio de 2010

Mês de África na FLUL - Vera Duarte

Desejos

Queria ser um poema lindo
cheirando a terra
com sabor a cana

Queria ver morrer assassinado
um tempo de luto
de homens indignos

Queria desabrochar
— flor rubra —
do chão fecundado da terra
ver raiar a aurora transparente
ser r´beira d´julion
em tempo de são João
nos anos de fartura d´espiga d´midje

E ser
riso
flor
fragrante
em cânticos na manhã renovada

Vera Duarte
Cabo Verde

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Mês de África na FLUL - Rui Knopfli

Princípio do dia

Rompe-me o sono um latir de cães
na madrugada. Acordo na antemanhã
de gritos desconexos e sacudo
de mim os restos da noite
e a cinza dos cigarros fumados
na véspera.
Digo adeus à noite sem saudade,
digo bom-dia ao novo dia.
Na mesa o retrato ganha contorno,
digo-lhe bom-dia
e sei que intimamente ele responde.

Saio para a rua
e vou dizendo bom-dia em surdina
às coisas e pessoas por que passo.

No escritório digo bom-dia.
Dizem-me bom-dia como quem fecha
uma janela sobre o nevoeiro,
palavras ditas com a epiderme,
som dissonante, opaco, pesado muro
entre o sentir e o falar.

E bom dia já não é mais a ponte
que eu experimentei levantar.
Calado,
sento-me à secretária, soturno, desencantado.

(Amanhã volto a experimentar).

Rui Knopfli
Moçambique

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Mês de África na FLUL - Jorge Barbosa

Prelúdio

Quando o descobridor chegou à primeira ilha
nem homens nus
nem mulheres nuas
espreitando
inocentes e medrosos
detrás da vegetação.

Nem setas venenosas vindas do ar
nem gritos de alarme e de guerra
ecoando pelos montes.

Havia somente
as aves de rapina
de garras afiadas
as aves marítimas
de vôo largo
as aves canoras
assobiando inéditas melodias.

E a vegetação
cujas sementes vieram presas
nas asas dos pássaros
ao serem arrastados para cá
pelas fúrias dos temporais.

Quando o descobridor chegou
e saltou da proa do escaler varado na praia
enterrando
o pé direito na areia molhada

e se persignou
receoso ainda e surpreso
pensa n´El-Rei
nessa hora então
nessa hora inicial
começou a cumprir-se
este destino ainda de todos nós.

Jorge Barbosa
Cabo Verde

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Mês de África na FLUL - Manuela Margarido

Roça

A noite sangra
no mato,
ferida por uma aguda lança
de cólera.
A madrugada sangra
de outro modo:
é o sino da alvorada
que desperta o terreiro.
E o feito que começa
a destinar as tarefas
para mais um dia de trabalho.

A manhã sangra ainda:
salsas a bananeira
com um machim de prata;

capinas o mato
com um machim de raiva;
abres o coco
com um machim de esperança;
cortas o cacho de andim
corn um machim de certeza.

E à tarde regressas
a senzala;
a noite esculpe
os seus lábios frios
na tua pele
E sonhas na distância
uma vida mais livre,
que o teu gesto
há-de realizar.

Manuela Margarido
S. Tomé e Príncipe

terça-feira, 25 de maio de 2010

Mês de África na FLUL - Luandino Vieira

Buganvília

Branca a buganvília explode
no odiado muro em frente

à volta a vida berra crente
e o negro sangue estanca

vermelha a buganvília
rompe o muro da frente

Luandino Vieira
Angola

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Mês de África na FLUL - Vasco Cabral

Anti-Delação

A noite veio,
disfarçada em dia,
e ofereceu-me a luz,
diáfana como a Aurora.

Mas eu disse que não.

Depois veio a serpente
disfarçada em virgem
e ofereceu-me os seios e os braços nus.

Mas eu disse que não.

Por fim veio Pilatos,
disfarçado em Cristo,
e numa voz humana e doce
disse: "se quiseres eu dou-te o paraíso
mas conta a tua historia..."

Mas eu disse que não,
que não, não, não!

E continuei um Homem!
E eles continuaram
os abutres do medo e do silêncio.

Vasco Cabral
Guiné-Bissau

domingo, 23 de maio de 2010

Mês de África na FLUL - Costa Andrade

AUTOBIOGRAFIA

Não existe mais
a casa onde nasci
nem meu Pai
nem a mulambeira
da primeira sombra.

Não existe o pátio
o forno a lenha
nem os vasos e a casota do leão.

Nada existe
nem sequer ruínas
entulho de adobes e telhas
calcinadas.

Alguém varreu o fogo
a minha infância
e na fogueira arderam todos os ancestres.

Costa Andrade
Angola

sábado, 22 de maio de 2010

Mês de África na FLUL - Ernesto Lara Filho

Poema da manhã

Os nossos filhos
Negra
hão-de trazer as ambições estampadas
nos olhos claros.

Os nossos filhos
Negra
hão-de trazer a vida à flor da pele escura.

Os nossos filhos
Negra
hão-de gargalhar o seu desprezo pelas Universidades da Europa
e hão-de rir-se dos que ficarem atrás nas classificações.

Os nossos filhos
Negra
hão-de ser belos
hão-de trazer nas veias o sangue mais puro e mais vermelho
das raças de Angola
e os seus peitos
hão-de chegar primeiro nas competições desportivas
da América, da Europa e do Mundo.

Os nossos filhos
Negra
serão os construtores, os engenheiros, os médicos, os
[cientistas do Mundo que vem

Eles pisarão quem se lhes atravessar na frente
Eles hão-de fazer soar os "Boogie-woogies" de
[Armstrong e Peters
nas "boites" de Paris, Londres, Moscovo e Nova Iorque
e não mais terão lugares secundários nas bichas de autocarros de Joburgo.

E principalmente
Negra
os nossos filhos

chegarão sempre primeiro
nas competições espirituais e desportivas
da Europa
da América
e do Mundo.

E principalmente
Negra
eles serão
OS NOSSOS FILHOS

Ernesto Lara Filho
Angola

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Mês de África na FLUL - Alda Lara

Testamento

À prostituta mais nova
Do bairro mais velho e escuro,
Deixo os meus brincos, lavrados
Em cristal, límpido e puro...
E àquela virgem esquecida
Rapariga sem ternura,
Sonhando algures uma lenda,
Deixo o meu vestido branco,
O meu vestido de noiva,
Todo tecido de renda...
Este meu rosário antigo
Ofereço-o àquele amigo
Que não acredita em Deus...
E os livros, rosários meus
Das contas de outro sofrer,
São para os homens humildes,
Que nunca souberam ler.
Quanto aos meus poemas loucos,
Esses, que são de dor
Sincera e desordenada...
Esses, que são de esperança,
Desesperada mas firme,
Deixo-os a ti, meu amor...
Para que, na paz da hora,
Em que a minha alma venha
Beijar de longe os teus olhos,
Vás por essa noite fora...
Com passos feitos de lua,
Oferecê-los às crianças
Que encontrares em cada rua...

Alda Lara
Angola

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Mês de África na FLUL - José Tenreiro

Fragmento de Blues
(A Langston Hughes)

Vem até mim
nesta noite de vendaval na Europa
pela voz solitária de um trompete
toda a melancolia das noites de Geórgia;
oh! mamie oh! mamie
embala o teu menino
oh! mamie oh! mamie
olha o mundo roubando o teu menino.

Vem até mim
ao cair da tristeza no meu coração
a tua voz de negrinha doce
quebrando-se ao som grave dum piano
tocando em Harlem:
– Oh! King Joe
King Joe
Joe Louis bateau Buddy Baer
E Harlem abriu-se num sorriso branco
Nestas noites de vendaval na Europa
Count Basie toca para mim
e ritmos negros da América
encharcam meu coração;
– ah! ritmos negros da América
encharcam meu coração!
E se ainda fico triste
Langston Hughes e Countee Cullen
Vêm até mim
Cantando o poema do novo dia
– ai! os negros não morrem
nem nunca morrerão!

...logo com eles quero cantar
logo com eles quero lutar
– ai! os negros não morrem nem
nem nunca morrerão!

José Tenreiro
S. Tomé e Príncipe

Vendedor de Passados de José Eduardo Agualusa | Tradução para Romeno


Apresentação da tradução para romeno do livro "Vendedor de Passados", de José Eduardo Agualusa, com a presença do autor.


"O evento terá lugar no Anf. IV da FLUL, no dia 21 de Maio, sexta-feira, pelas 18h, e contará com a presença do autor, da tradutora, Anca Milú, da Prof.ª Doutora Ana Paula Tavares, que fará a apresentação e do Doutor Simion Cristea que comentará esta tradução para a língua romena.Esta é uma iniciativa conjunta do CLEPUL, do Mês de África na FLUL e da Biblioteca da Faculdade."


CLEPUL

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Mês de África na FLUL - Ana Paula Tavares

"Não conheço nada do país do meu amado"
Não conheço nada do país do meu amado
Não sei se chove, nem sinto o cheiro das
laranjas.

Abri-lhe as portas do meu país sem perguntar nada
Não sei que tempo era
O meu coração é grande e tinha pressa
Não lhe falei do país, das colheitas, nem da seca
Deixei que ele bebesse do meu país o vinho o mel a carícia
Povoei-lhe os sonhos de asas, plantas e desejo
O meu amado não me disse nada do seu país

Deve ser um estranho país
o país do meu amado
pois não conheço ninguém que não saiba
a hora da colheita
o canto dos pássaros
o sabor da sua terra de manhã cedo

Nada me disse o meu amado
Chegou
Mora no meu país não sei por quanto tempo
É estranho que se sinta bem
e parta.
Volta com um cheiro de país diferente
Volta com os passos de quem não conhece a pressa.

Ana Paula Tavares
Angola

terça-feira, 18 de maio de 2010

Mês de África na FLUL - José Craveirinha

O meu preço

Eu cidadão anónimo
do País que mais amo sem dizer o nome
se é para me dar de corpo e alma
dou-me todo como daquela vez em Chaimite.
Dou-me em troca de mil crianças felizes
nenhum velho a pedir esmola
uma escola em cada bairro
salário justo nas oficinas
filas de camiões carregados de hortaliças
um exército de operários todos com serviço
um tesouro de belas raparigas maravilhando as praias
e ao vento da minha terra uma grande bandeira sem quinas.
Se é para me dar
dou-me de graça por conta disso.
Mas se é para me vender
vendo-me mas vendo-me muito caro.
Ao preço incondicional
de quanto me pode custar este poema.

José Craveirinha
Moçambique

Jornada Neo-Helénica - 25 de Maio de 2010







segunda-feira, 17 de maio de 2010

Mês de África na FLUL - Mia Couto

Para Ti

Foi para ti
que desfolhei a chuva
para ti soltei o perfume da terra
toquei no nada
e para ti foi tudo

Para ti criei todas as palavras
e todas me faltaram
no minuto em que talhei
o sabor do sempre

Para ti dei voz
às minhas mãos
abri os gomos do tempo
assaltei o mundo
e pensei que tudo estava em nós
nesse doce engano
de tudo sermos donos
sem nada termos
simplesmente porque era de noite
e não dormíamos
eu descia em teu peito
para me procurar
e antes que a escuridão
nos cingisse a cintura
ficávamos nos olhos
vivendo de um só
amando de uma só vida

Mia Couto
Moçambique

domingo, 16 de maio de 2010

Momentos de Poesia - Goethe

Reconciliação

A paixão traz a dor! — Quem é que acalma
Coração em angústia que sofreu perda tal?
As horas fugidias — para onde é que voaram?
O que há de mais belo em vão te coube em sorte!
Turbado está o espírito, o agir emaranhado;
O mundo sublime — como foge aos sentidos!

Mas eis, com asas de anjo, surge a música,
Entrelaça aos milhões os sons aos sons
Pra varar, lado a lado, a alma humana
E de todo a afogar em eterna beleza:
Marejado o olhar, na mais alta saudade
Sente o preço divino dos sons e o das lágrimas.

E assim aliviado, nota em breve o coração
Que vive ainda e pulsa e quer pulsar,
Pra ofertar-se de vontade própria e livre
De pura gratidão pela dádiva magnânima.
Sentiu-se então — oh! pudesse durar sempre! —
A ventura dobrada da música e do amor.

Johann Wolfgang von Goethe
Alemanha
Tradução de Paulo Quintela

sábado, 15 de maio de 2010

Momentos de Poesia - Velimir Khlebnikov

A Encantação Pelo Riso

Ride, ridentes!
Derride, derridentes!
Risonhai aos risos, rimente risandai!
Derride sorrimente!
Risos sobrerrisos - risadas de sorrideiros risores!
Hílare esrir, risos de sobrerridores riseiros!
Sorrisonhos, risonhos,
Sorride, ridiculai, risando, risantes,
Hilariando, riando,
Ride, ridentes!
Derride, derridentes!

Velimir Khlebnikov
Rússia
Tradução de Haroldo de Campos

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Momentos de Poesia - Almeida Garrett

Não te amo

Não te amo, quero-te: o amar vem d’alma.
E eu n’alma - tenho a calma,
A calma - do jazigo.
Ai! não te amo, não.

Não te amo, quero-te: o amor é vida.
E a vida - nem sentida
A trago eu já comigo.
Ai, não te amo, não!

Ai! não te amo, não; e só te quero
De um querer bruto e fero
Que o sangue me devora,
Não chega ao coração.

Não te amo. És bela; e eu não te amo, ó bela.
Quem ama a aziaga estrela
Que lhe luz na má hora
Da sua perdição?

E quero-te, e não te amo, que é forçado,
De mau, feitiço azado
Este indigno furor.
Mas oh! não te amo, não.

E infame sou, porque te quero; e tanto
Que de mim tenho espanto,
De ti medo e terror...
Mas amar!... não te amo, não.

Almeida Garrett
Portugal

Mês de África na FLUL























No mês de África na FLUL estão incluídas duas exposições a ter lugar na Biblioteca, até ao final de Maio.






Exposição Bibliográfica de Autores Africanos de Língua Portuguesa











Olhar África, por Saul Carvalho (Exposição Fotográfica)





quarta-feira, 12 de maio de 2010

Momentos de Poesia - Alexandre O'Neill

Há palavras que nos beijam

Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca,
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.

Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto,
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.

De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas, inesperadas
Como a poesia ou o amor.

(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído,
No papel abandonado)

Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte.

Alexandre O’Neill
Portugal

terça-feira, 11 de maio de 2010

Momentos de Poesia - Paul Valéry

Em Agosto

Acomodar-se às coisas: aceitar
o formato de agosto – o vir do vento,
esta chuva que cai sem se cansar
e a experiência opressiva do ar cinzento.

Não forçar os limites, não tentar
ultrapassar a curva do momento;
não querer outra cor, outro lugar,
outro céu, outra fome, outro tormento. –

Ficar aqui, somente, esclarecido
pela justiça simples do possível,
que torna suave a rosa antes do olvido:

cumprindo uma tarefa que convém
e suportando o gume do sensível,
que arde em promessas sob a luz-ninguém

Paul Valéry
França

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Momentos de Poesia - William Blake

Uma Imagem Divina

Crueldade tem Humano Coração,
E tem a Intolerância Humano Rosto;
O Terror a Divina Humana Forma,
O Secretismo Humano Traje posto.

O Humano Traje é Ferro forjado,
A Humana Forma, Forja incendiada,
O Humano Rosto, Fornalha bem selada,
Humano Coração, Abismo seu Esfaimado.

William Blake
Inglaterra

Tradução de Hélio Osvaldo Alves

sexta-feira, 7 de maio de 2010

A Arte do Leitor - Junta-te a nós!

Queres ver os teus textos publicados no blogue da Biblioteca?
Contribui com poemas, recensões críticas aos últimos concertos e peças de teatro a que assististe, comenta o teu livro e o teu filme preferidos, fala-nos sobre as tuas bandas favoritas!
Podes enviar também trabalhos de pintura (tradicional ou digital), fotografia, escultura ou qualquer outra forma de arte, desde que passível de ser publicada no blogue.
Se quiseres, podes até sugerir poemas ou pequenos contos de autores nacionais ou internacionais, mais ou menos conhecidos!

Participa, esperamos o teu contributo!

Envia as tuas obras para bib.dif.cultural@gmail.com

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Dia Mundial do Livro e dos Direitos de Autor 2010 - António Gedeão

Soneto

Não pode Amor por mais que as falas mude
exprimir quanto pesa ou quanto mede.
Se acaso a comoção falar concede
é tão mesquinho o tom que o desilude.

Busca no rosto a cor que mais o ajude,
magoado parecer aos olhos pede,
pois quando a fala a tudo o mais excede
não pode ser Amor com tal virtude.

Também eu das palavras me arreceio,
também sofro do mal sem saber onde
busque a expressão maior do meu anseio.

E acaso perde, o Amor que a fala esconde,
em verdade, em beleza, em doce enleio?
Olha bem os meus olhos, e responde.

António Gedeão
Portugal

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Dia Mundial do Livro e dos Direitos de Autor 2010 - Cesário Verde

Lágrimas

Ela chorava muito e muito, aos cantos,
Frenética, com gestos desabridos;
Nos cabelos, em ânsias desprendidos
Brilhavam como pérolas os prantos.

Ele, o amante, sereno como os santos,
Deitado no sofá, pés aquecidos,
Ao sentir-lhe os soluços consumidos,
Sorria-se cantando alegres cantos.

E dizia-lhe então, de olhos enxutos:
- "Tu pareces nascida da rajada,
"Tens despeitos raivosos, resolutos:

"Chora, chora, mulher arrenegada;
"Lagrimeja por esses aquedutos...
-"Quero um banho tomar de água salgada."

Cesário Verde
Portugal

terça-feira, 4 de maio de 2010

Dia Mundial do Livro e dos Direitos de Autor 2010 - Cervantes

Bailan las gitanas

Bailan las gitanas,
míralas el rey;
la reina, con celos,
mándalas prender.

Por Pascua de Reyes
hicieron al reyun baile gitano
Belica e Inés.
Turbada Belica,
cayó junto al rey,
y el rey la levanta
de puro cortés;
mas como es Belilla
de tan linda tez,
la reyna, celosa,
mándalas prender.

Cervantes
Espanha

sábado, 1 de maio de 2010

Dia Mundial do Livro e dos Direitos de Autor 2010 - Eugénio de Andrade

Urgentemente

É urgente o Amor,
É urgente um barco no mar.
É urgente destruir certas palavras
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,muitas espadas.

É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros,
e a luz impura até doer.
É urgente o amor,
É urgente permanecer.

Eugénio de Andrade
Portugal